Amazonas em Quadrinhos: Uma Viagem Única com Leo Ribeiro
- Rodrigo Braz Vieira

- 2 de set.
- 7 min de leitura

A Amazônia fascina o mundo inteiro. Muito se fala dela quando o assunto é a crise climática, o desmatamento ou os povos indígenas. Mas a verdade é que nenhuma leitura ou reportagem substitui a experiência de estar lá, de sentir o rio, a floresta e a vida pulsando nas margens.
Graças ao meu trabalho como produtor de televisão internacional e guia de turismo, tive o privilégio de visitar a Amazônia diversas vezes. E ainda assim, cada viagem me surpreende com a grandiosidade e a complexidade dessa região. Para muitos brasileiros – e ainda mais para os noruegueses – a Amazônia continua sendo um território quase mítico: distante e, ao mesmo tempo, central para o futuro do planeta.
Foi justamente por isso que entrevistei o autor e ilustrador Leo Ribeiro, mineiro de origem e hoje baseado em Stavanger, que transformou sua jornada de barco pelo rio Madeira em uma poderosa obra em quadrinhos: Amazonas – Fortellinger langs elvebredden (Amazonas – Histórias de beira de Rio). Lancado em português no Brasil pela editora Sisko.
O livro é ao mesmo tempo diário de viagem, reflexão política e mergulho artístico. Ribeiro estará em Oslo em setembro, no Oslo Comics Expo (18–20/9), para apresentar a obra ao público norueguês. Conversamos sobre viagem, arte, política, infância e, claro, sobre a importância de conhecer a Amazônia de perto.

Você fez uma viagem de barco de Manaus até Porto Velho e, ao longo do caminho, encontrou muitas pessoas diferentes. O que foi nessa viagem que o levou a transformar essas experiências em um livro?
Eu sou de Minas Gerais e também vivi muito tempo no Rio de Janeiro. O Brasil é muito grande, de dimensões continentais. Muitas vezes ficamos circunscritos espacialmente às regiões geograficamente próximas de onde vivemos. Muito provavelmente, para um europeu, talvez seja mais fácil cruzar a Europa, de Oslo até Lisboa, do que para um brasileiro sair do Rio de Janeiro e ir até Manaus.
Portanto, para quem mora no Sudeste brasileiro, onde ficam as grandes cidades do país, a Amazônia ainda permanece um lugar desconhecido. Sabemos onde fica no mapa, vemos imagens nos noticiários da TV e nos jornais, mas não a conhecemos de verdade.
Então, quando estava cruzando o rio Madeira, em direção a Porto Velho, percebi que documentar a viagem era algo importante. Estamos na maior floresta do mundo, mas ao mesmo tempo moram quase 30 milhões de brasileiros nos nove estados amazônicos, sendo por volta de seis milhões na região que percorri. Precisamos saber mais sobre essas pessoas, como elas vivem, sua cultura, como se relacionam com a floresta, suas dificuldades.
Não sabia exatamente o que eu iria fazer com as minhas anotações de viagem e rascunhos de desenhos. Talvez um livro de viagem, uma exposição de aquarelas… acabou virando uma história em quadrinhos.
O livro é descrito como autoficção – inspirado em pessoas e acontecimentos reais, mas trabalhado artisticamente. Como você vê esse equilíbrio entre ser fiel à realidade e criar sua própria narrativa?
Quando vamos contar uma história, a primeira coisa que precisamos pensar é em qual formato essa história será contada. Cada formato tem suas características.
Um livro de história em quadrinhos tem um tamanho limitado, então na narrativa temos que condensar o tempo, juntar características de duas pessoas diferentes em um só personagem, relatar diferentes acontecimentos lado a lado que, na vida real, tiveram um intervalo de tempo maior entre eles. Digamos que, no livro, as coisas são mais dinâmicas e interessantes, pois tudo acontece ao virar das páginas.
Justamente por não ser estritamente um documento, optei por mudar os nomes dos personagens e algumas características físicas. Mas o essencial está lá. Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência. Tudo isso aconteceu, mas não foi exatamente assim.
O seu estilo combina traços realistas com elementos expressivos, e você usa luz e cores de uma forma especial. O que você queria transmitir por meio dessa linguagem visual no livro?

Eu comecei a trabalhar nesse projeto no começo de 2019 e só fui terminá-lo no fim de 2023. Trabalhei nesses desenhos de forma intermitente, paralelamente a outros trabalhos e projetos. Uma consequência desse ir e vir é a variação formal entre os desenhos, transitando entre a simplificação e o naturalismo, entre a justeza da linha traçada e os desenhos repletos de tonalidades e nuances de luz e sombra.
O meu desenho foi evoluindo durante os anos, e fui mudando a minha maneira de representar o ambiente e as pessoas. Assim, analogamente a um cineasta que usa diferentes suportes de imagem para montar um documentário, acabei por utilizar diferentes estilos de desenho para montar a minha história em quadrinhos.
Acredito que isso acrescentou uma riqueza visual ao livro. Afinal, é uma imersão também na jornada do desenhista.
No livro, você conta sobre uma oficina com crianças, em que você diz que aquilo não era “exatamente Disney”. Como você enxerga o papel da arte em transmitir a realidade e o que acha que as crianças podem aprender ao desenhar e contar o mundo como elas o veem?
Na verdade, trabalhei durante muitos anos em projetos de divulgação artística e educativos. Viajei o Brasil de cabo a rabo ministrando oficinas de desenho animado.
O meu personagem acaba dando voz a um preconceito que é geral. Nós nos acostumamos, por causa da indústria cultural de massas, a seguir certos modelos. E o que está fora desses modelos nos parece ruim ou inadequado.
Nos habituamos com a Disney, sua maneira de desenhar, de animar e de contar histórias. Mas isso é só um modelo – não é o melhor nem o pior, apenas um modelo.
Quando a gente se depara com o desenho de uma criança, muitas vezes ele carrega um repertório que parece simplório, mas que é muito mais complexo do que o mundo Disney. Temos que aprender a enxergar esse repertório, que vem diretamente da realidade em que a criança vive. Depois disso, reduzir um bom desenho apenas ao que a Disney professa se torna muito mesquinho.
Você também escreve sobre acontecimentos políticos no Brasil e como eles influenciaram sua vida e suas escolhas. Quão importante foi esse contexto político para compreender a viagem e o livro?

Eu fui da geração “cara pintada” que, em 1992, foi às ruas protestar em favor do impeachment do presidente Fernando Collor – o primeiro presidente eleito democraticamente após a ditadura militar. Acreditava que, bem ou mal, a democracia brasileira estava se desenvolvendo, aprendendo com seus próprios erros e se fortificando.
Para mim foi um choque perceber que um mecanismo legal como o impedimento de um presidente estava sendo usado de forma política para condenar uma presidenta democraticamente eleita, que não cometeu crime algum (Dilma Rousseff). Foi um golpe gigantesco na nossa democracia.
Naquele dia, na Lapa, tive o discernimento de perceber a onda de lama que estava por vir. E não deu outra: o período Temer/Bolsonaro foi de destruição do Estado, das nossas instituições e da democracia. Um exemplo concreto foi o rebaixamento do Ministério da Cultura a apenas uma secretaria.
Eu sabia que, como trabalhador da cultura, teria muitas dificuldades para sobreviver. De fato, a minha viagem para a Amazônia foi meu último trabalho no Brasil, e estava subscrito por uma lei de incentivo à cultura, anterior à posse de Michel Temer. Depois disso, veio um longo deserto.
Em setembro, você participará do Oslo Comics Expo na biblioteca Deichman, de 18 a 20 de setembro. O que significa para você poder apresentar um livro sobre a Amazônia nesse contexto na Noruega, e o que espera que o público daqui leve desse encontro com o seu trabalho?
Voltando à primeira questão desta entrevista: se a Amazônia é pouco conhecida pelos brasileiros, imagine pelos noruegueses.
Notei na Noruega um genuíno interesse pelas questões ambientais, pela crise climática, pelo desmatamento das florestas tropicais e pelos povos indígenas da Amazônia. A Noruega é o maior doador do Fundo Amazônia, gerido pelo BNDES e criado justamente para financiar políticas de proteção à floresta e seus povos.
Então, acredito que o meu livro pode contribuir para retificar alguns clichês a respeito da Amazônia que porventura o norueguês ainda tenha. Por outro lado, as histórias em quadrinhos autobiográficas são uma verdadeira marca registrada do estilo norueguês de quadrinhos. Um dos meus autores preferidos é Steffen Kverneland.
O leitor norueguês já está muito familiarizado com esse tipo de narrativa. Mas a maioria dessas obras fala muito especificamente sobre a Noruega e a cultura norueguesa, o que não poderia ser diferente. Então, o leitor terá a oportunidade de usufruir desse estilo familiar de narrativa, mas em um cenário diferente: a floresta tropical.
E quem vier ao Oslo Comics Expo terá a oportunidade, ao comprar o livro, de ganhar um autógrafo e um desenho personalizado.
Muito se fala da Amazônia hoje em dia em relação à crise climática e ao desmatamento. Quão importante você acha que é para os noruegueses viajarem até lá para realmente compreender a natureza, a cultura e as pessoas que vivem às margens do rio?
Existe um paradoxo quando você conhece a Amazônia, pois a força da floresta e dos rios é titânica. Parece que a floresta é eterna, que o verde é uma vastidão, que o rio é um mar.
Mas aqui e ali a gente vai enxergando as cicatrizes: as balsas de soja, o garimpo ilegal e suas barcaças, a expansão urbana… É preciso entender que a floresta faz parte da economia e que, para preservá-la, é preciso também cuidar das pessoas que vivem por lá.
É impossível colocar uma redoma de vidro sobre a floresta ou voltar no tempo. Viajar é fundamental para entender a realidade local. Mas é preciso se aventurar fora do circuito turístico, viver o dia a dia das pessoas. Talvez seja um pouco difícil pela barreira linguística, mas, por outro lado, o brasileiro em geral é muito receptivo com quem vem de fora.
É bom lembrar que existe uma demanda mundial sobre os recursos da floresta, que ultrapassa as fronteiras do Brasil. Conhecer a Amazônia de perto é um passo essencial para compreender não só o Brasil, mas também o futuro comum que compartilhamos.





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